terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Como não dar uma notícia de verão

Verão. Janeirinho. Dona Veranica. No restaurante.

Noite bonita, lua cheia na lagoa, brisa leve. Dona Veranica resolveu dar uma chance a Janeirinho. Afinal, estava se despedindo daquela cidade, então, optou por passar seus últimos dias ali em uma companhia que sabidamente gostava dela. Sem sobressaltos. Sem expectativas. Segurança de um rolinho tranquilo.

Janeirinho vinha desde dezembro espreitando a dona da estação e, quando chegou seu mês, ficou radiante! E tudo corria bem para ambos, mesmo que Janeirinho desse indícios de que gostaria de se tornar o outono de Dona Veranica, talvez o inverno também... De qualquer forma, corria tudo bem. Até aquela noite.

Resolveram aproveitar o agradável luar em um restaurante à beira da praia, para depois decidirem o prolongamento da noite. Boa comida, boa bebida, ambiente agradável. Assuntos diversos. Janeirinho não era muito hábil com as palavras, podendo ser ele considerado como a representação do aluno que aprendeu o português com a nova cartilha do MEC – obrigada, Fernando Haddad! Mas, Dona Veranica não se atinha a este “detalhe”, pois sabia que janeiro seria apenas um dos 11 demais meses do ano. Então, continuava conversando, tentando ignorar os gerundismos, os comentários preconceituosos e a total falta de conhecimento de Janeirinho acerca das palavras formadoras de indivíduos sensíveis.

Inexplicavelmente, começaram a falar sobre etapas de vida, conquistas, projetos pessoais. Dona Veranica viu aí uma rara oportunidade para desenvolver um diálogo, ao invés de ser mera expectadora de um monólogo – tão instigante quanto uma entrevista da Marília Gabriela.

Janeirinho: Tenho pensado muito nisso de me estabelecer. Mesmo que não seja na minha área, mas preciso ter meu negócio. Depois, com o tempo, juntando uma grana, posso pensar melhor em voltar a atuar na minha formação.
Dona Veranica: É, nem sempre dá pra fazer o que se gosta. Enquanto isso, não dá pra ficar parado.
Janeirinho: Penso muito nisso por causa do que falamos uma vez também: quero ter família, quero dar boas condições pros meus filhos, enfim... E pra isso, não dá mais pra ficar na utopia. Tem que começar agora.
Dona Veranica: Não sabia que pensavas assim tão em longo prazo, de uma forma tão planejada. Sempre te vi como um cara mais festeiro.
Janeirinho: Pois é, as coisas mudam.
Dona Veranica: Que bom, não é? Mudar pra melhor é bom.
Janeirinho: Mas e tu, deixas a cidade e tens planos? De trabalho, família...? A gente tem que pensar como vai fazer pra se ver depois...
Dona Veranica: Não planejei muito essa etapa...
Janeirinho: Masssss eeeee... tu pensas em ter a tua família, não é?
Dona Veranica: Claro, sem dúvidas, mas agora preciso pensar em mim. Posso ter família quando eu estiver mais estabilizada, não achas? Ainda tem tempo.
Janeirinho: Pois é. Concordo. Mas nunca te aconteceu de conheceres alguém que já estava adiante nesse sentido? Tipo... alguém mais velho, ou com filhos...?
Dona Veranica: Na verdade, não. Óbvio que quando gostamos de alguém, isso não faz tanta diferença, ou não é decisivo. Eu acho... Mas, conscientemente, podendo escolher, obviamente escolho não me envolver com alguém que já tenha família formada. Além dos filhos vem a ex de presente! Muita complicação, não achas...?
Janeirinho: É... tens razão.
Dona Veranica: E ainda tem a questão das prioridades. São outros planos. Etapas diferentes de vida entre essas duas pessoas. É melhor ficar com alguém que esteja em uma etapa mais próxima à tua, não achas?
Janeirinho: É, né...? Realmente, são etapas diferentes.
Dona Veranica: Não tenho preconceito, massssss, podendo escolher racionalmente... prefiro alguém que esteja mais próximo à minha realidade, aos meus planos.
Janeirinho: Então... eu acho que estou nessa etapa.
Dona Veranica: Como assim? Nessa minha, dos planos?
Janeirinho: Também. Mas talvez uma mais adiante: nessa de já ter uma família.
Dona Veranica: ... (olhos esbugalhados)
Janeirinho: Pois é, descobri que vou ser pai.

Naquele ano, o mês de janeiro também teve 28 dias e o verão foi mais curto. Dona Veranica mudou de hemisfério, já tardava a hora de levar seu calor a outros lugares. Afinal, era chegada a hora do mês do Carnaval...