segunda-feira, 16 de julho de 2012

Meu caráter foi moldado pela dor


Amo meu estado, o Sulllll, mas ele tem o clima errado pra mim - quase nada umbigocêntrica... Embora eu odeie o frio – leia-se que estou no período de mau-humor constante nesses últimos dias, fato que se estenderá até setembro –, tenho de admitir que no verão os pés sofrem mais: não há calçado que não machuque quando os pés começam a inchar (ê, assunto de veia). Quando a gente é mais novinha, nem se dá conta, porque mete lá um tênis ou uma havas. Mas quando viramos adultinhas, haja sandálias e sapatos para revezar – looonge de querer convencer a homarada de que essa é uma das prováveis causas da fixação feminina por comprar sapatos; a gente compra porque é bom mesmo! Enfim, cada dia um machucado em um lugar do pé.

Ainda como resquício do verão, numa dessas trocas de curativos dos machucados de guerra, lembrei que quando eu era criança não tinha essa de colocar curativo no machucado sem antes usar o: MERTHIOLATE! Para machucados mais superficiais, um Mercuriozinho básico resolvia. Mas, para curar o buraco deixado pela tampa do joelho que ficava na areia depois do tombo de patins: só o bom e velho Merthiolate. Puataquépareo, como doía! E além do líquido em si ser dolorido, ainda tinha aquela pazinha maldita que a mãe apertava bem deeeentro do machucado, pra depois contaminar bastante todo o vidro de Merthiolate.

E o “atentado” – como parte da minha família chama uma criança hiperativa – até deixava de fazer merda só pensando no Merthiolate que vinha depois. Presta atenção na função repressora educativa na infância da pessoa que o Merthiolate desempenhava!

E, como o fluxo do pensamento é rápido e o barato é louco, uma coisa puxa a outra e já me lembrei que, vez ou outra, dependendo da “arte” que a criança fazia para merecer o tratamento do Merthiolate, ainda tinha a chinelada. Quem nunca apanhou por sílaba aí?! “Ô-gu-ri-a-tu-não-faz-mais-ar-te-já-te-fa-lei-não-fa-lei?” Cada sílaba, uma estalada de chinelo na bunda. Nem preciso dizer que sempre fui boa em português...

E como fechamento da sequência de ensinamentos construtivos da infância, é quase impossível não lembrar que a qualquer sinal de soluço vinha a famigerada frase: e não chora! Meodeozzzz, me diz como é que uma criança que foi torturada com Merthiolate, chineladas e uma separação de sílabas errada não vai chorar? O que nossos pais tinham na cabeça?!

Pois eu, em verdade vos digo: a formação do bom caráter dos filhos! Pra eles, tudo isso ajudava a formar a nossa boa índole; formava nos pequenos seres a ideia de causa e conseqüência (criança arteira = dor), o respeito à ordem dos mais velhos (choro = mais chinelada) e a concepção de que cada um carrega a cruz que lhe cabe (33 tampas de joelhos e cotovelos arrancados = abstração da dor em 33% a mais em relação aos menos acidentados da turma).

Em suma, digo que o meu caráter e o do pessoal que foi criança nos anos 80/90 foi moldado pela dor. E acho um absurdo que hoje em dia o Merthiolate seja em spray e não arda! É por isso que tem esse monte de pessoinhas coloridas que amam tudo e a todos. Como assim, meu querido?! Ninguém ama todo mundo, ninguém é feliz o tempo todo! Bando de psicopata em potencial, socorro!