sexta-feira, 10 de junho de 2011

Toda criança é um pouco gótica

Eis minha contribuição para o dia 12.
Rafael Dias era o nome dele. No primeiro dia de aula, entrei faceira, que nem guaipeca “arrodeando” o rabo, ainda mais quando a Professora Denise disse: - mááás, e quem é essa guria de cabelão lindo?! Todos sentados, em roda, apresentando-se um a um. E ele, na minha frente – obviamente, a roda organizava-se no esquema meninas de um lado, meninos de outro. Ele, com seu cabelinho liso em corte cogumelo, narizinho arrebitado e olhar do tipo “vou crescer e dar um trabalho pra mulherada, que não vai ter nem graça”. É de pequeno que tu identificas se o guri vai ser pegador ou não. Sei lá se tem a ver com o DNA, mas tu olhas pro piá e já sabes se terá a mãnha ou não. Cá entre nós, tem uns que chegam a nos dar pena da nossa própria idade. Ai, que vontade de cultivar algumas espécies para o futuro... Abafa e foco.
Enfim, anos se passaram e seguíamos colegas. Nunca fui uma menina que só brincava com meninas, que não se sujava ou que só sentava na frente, juntinho da profe. Sempre fui amiguinha dos guris e das gurias ao mesmo tempo. Também não era daquelas que jogava futebol com os guris, que nem a Raquel da 6ª série. Mas sempre me dei bem com eles. Com o Dias (como era conhecido, já que Rafael deveria ter uns três na sala), nunca consegui estabelecer uma amizade. Mas sempre quis. Aliás, queria mais do que uma amizade: páginas e páginas do diário (aquele com a chavezinha) preenchidas com corações que abrigavam o meu nome e o dele. Choros incontidos em momentos diversos, pensando no meu amado. Noites de sono agitadas pela imagem daquele meu colega de aula, que sentava lá do outro lado da sala. Meu amadinho não era só mais um no colégio, para aumento de minha penúria: era o mais popular da série, não tinha quem não o achasse um gatinho!
Somente uma coisa separava o Dias da perfeição: torcia por um time oposto ao meu. E, para o azar dele, torcia pelo time da minoria da sala. Isso às vezes era um problema maior do que se pode imaginar: geralmente, nas partidas de futebol – em que eu e as gurias fazíamos coreografias de Paquitas para animar a torcida -, quando saía discussão, o Dias levava a pior por ser do time da minoria. Leia-se: apanhava. E eu, nunca sabia que partido tomar! Muitas vezes assisti meu amado chorando, no cantinho da sala, abrindo o potinho do lanche com aquela nega maluca, sozinho, soluçando... E eu lá, dividida entre os amigos e o amor! Ó, destino triste desta errante mirim! Mas, popular que era, o Rafa (como eu tomava a liberdade de chamá-lo às vezes, ruborizada) sempre fazia as pazes com os coleguinhas e tudo ficava bem.
Conformava-me já com o fato de que aquele semi-deuzinho jamais seria meu par. Nem deveria saber meu nome direito, era muita oferta naquele colégio, ele podia escolher. Por que escolheria a mim? Melhor ficar resignada, escrevendo no diário, sonhando, imaginando cenas romantiquinhas, enxugando as lágrimas grossas e assoando o narizinho vermelho.
Quando digo que tive uma infância feliz, parte disso deve-se também ao Dias. Certa feita, Papai do Céu olhou para baixo e disse: “tá, gótica mirim do inferno, toma o que te mandaram!”, e, não sei em que dia da semana, em que aula e nem por qual ocasião, os guris me deram a notícia de que o Rafa me considerava a namorada dele. Ah, como é bom ser amiga dos guris!
Depois daquele dia, não me lembro de ter falado com o meu amadinho, mas isso não tem importância nenhuma dentre as minhas memórias da infância: o que ficou foi a lembrança quase física do meu coração disparando, do meu sorriso incontido, da minha tentativa de controlar o riso e da caminhada até as gurias, para repartir a mais nova novidade novinha do momento! Eu tinha um namoradinho, e era o Rafa! Te mete!!
Realmente não lembro dos dias subsequentes, mas sei que o Rafa saiu do colégio antes de mim. E, apesar de sermos vizinhos, não nos encontrávamos pelas ruas do bairro. Não sei se isso configurou o término do nosso namoro, mas eu ainda fui fiel a ele por algum tempo. Depois dele, veio o Fandangos, um guri mais velho, também popular na escola, e me lembro, como se fosse hoje, da minha faceirice quando descobri que eu era a segunda na lista de preferências dele, dentre todas as outras gurias do colégio! Nossa, eu era a segunda! Só precisava matar uma e eu era a próxima na lista! Ops, acho que falei isso alto... Enfim, essa já é outra história.




Agradecimento especial à pessoa querida que me mandou este vídeo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contribuições fresquinhas