quinta-feira, 5 de maio de 2011

Desilusão ortográfico-amorosa

Há algum tempo troco figurinhas com um amigo sobre nossos desapontamentos de ordem gramatical com o sexo oposto. Sempre me senti à vontade com os amigos. Com eles, parece que posso falar de qualquer assunto sem pensar se vão analisar mensagens subliminares, quando na verdade elas não existem na minha fala. Converso sabendo que não vão reparar se engordei (ok, vão notar, mas por outros motivos), não vão se importar se cortei o cabelo, se fiz minhas luzes, se a cor da minha blusa combina com o tecido do topezinho do meu scarpin... Enfim, ter amigos é bom também para ter a visão do outro. Do outro sexo.
Com esse meu amigo descobri que não estou só em uma de minhas desilusões – sim, são muitas, e daí? Não sei se é motivo de comemoração, mas, aqui entre nós, o fato de não nos sentirmos sozinhos quando estamos na m*** sempre é reconfortante. Atire a primeira brita (de pedra é mais difícil de desviar) quem nunca pensou: “bah, estou f***, mas aquele ali está tão ou mais f*** do que eu”. Eu sei, tenho pensamentos impuros...
Vamos aos fatos. Flerte novo. Independente de como se conheceram, nessa era maldita/bendita da internet, vocês vão trocar MSN e quase aposto meu cotovelo como, a partir desta troca, o “contato” entre vocês será estabelecido primordialmente por esse veículo de comunicação.
Telefone? Não. Isso é muito século XX. Por qual motivo vais querer pagar para ouvir a voz da pessoa, se podes muito bem pensar em silêncio, no teu computador/celular, sozinho? Para que vais ter o gasto de uma ligação se a internet é banda larga e te dá tempo ilimitado para falares com quantas pessoas quiseres simultaneamente? E, melhor ainda, (re)escrevendo sem o compromisso da resposta imediata, podendo escolher qual a melhor imagem aparecerá naquela janelinha de conversa (enquanto, na verdade, tu estás de meias, havaianas, calça de abrigo, um blusão por cima de outro e o cabelo parecendo um ninho de querexexê)?
Muito melhor falar por MSN, não é?
Contato 1:
ViventeOi! Eae, tdo?
Pausa!
“Tudo” o que, meu querido!? Que mania é essa agora que as pessoas pegaram de encurtar o “tudo bem”?! É tão difícil assim formular uma pergunta completa?
Continuando.
Tu – Sim, tudo bem. Chegando agora em kza.
Vivente – Mto canssada p sair hj?
Pausa!
Nessa hora tu pensas “calma, vamos dar uma chance, é um erro comum e talvez ele tenha escrito sem querer”. Vivente tem curso superior, já aprendeu a escrever, então tu apenas repetes a palavrinha com a grafia correta, para ver se ele fica mais atento.
Tu – Olha, até to um pco cansada, mas dependendo...
Vivente – Pois é, queria te ver com aquela bluizinha dinovo... daquele geito... vamu janta?
Vamos combinar: uma coisa é uso de linguagem de MSN, outra coisa é ser formado no Mobral!
Tu – Só se for rapidinho então, ñ queria chegar mto tarde em kza.
Vivente – Ah tb ñ quero ti encomodar se naum der hj, fica pra otro dia.
Respira!
Tu – Ñ incomoda, imagina.
Vivente – Então que hs ti pego?
Tu – Olha, to vendo aqui... acho melhor marcarmos pro findi, pode ser? Prefiro ter mais tempo pra gente ñ se preocupar com horário.
Tradução: hoje não estou com saco para aturar sua total ignorância acerca da existência do Houaiss, ou o seu déficit escolar ocasionado pela Tia Alvaíres da 3ª série, que te passou de ano por pena.
Vivente – Claaaro sem problema falamos na semana.
Tradução: sua vaca fazida!
Tática adotada: talvez ele consiga ser adestrado pelo condicionamento operante, vamos torcer!

Contato 2:
Vivente – Oi linda... tdo?
Tu – Oi, td bem e tu?
Vivente – Tb.
Tu – Novis?
Vivente – Ñ nda mais mto trabalho só por causa que na firma as coisas tão meio corridas. e ae e akela janta?
Pausa!
Por falar em pausa, vírgula e demais “acessórios” de pontuação consistem em artefatos ausentes em muitos teclados mundo afora...
Tu – Tá de pé, vamos combinar.
Vivente – Demoro ta sozinha em kza?
Tu – Não.
Vivente – Passo ae entaum pra genti sai e vê um filme pode ser?
Tu – Ta, pelas 21h.
Vivente – Comcerteza. Ligo quando chegar.
Tática adotada: dar uma chance para ver se ao vivo rende.
Contato 3:
Vivente – Oi, gatinha tdo?
Tu –
Tática adotada: “status ausente”.
Contato 4:
Vivente – Eae sumida...
Tu –
Tática adotada: botão direito do mouse sobre o usuário “Vivente”; seleção da opção “Bloquear contato”. “Se você bloquear este contato ele não poderá conversar com você online nem ver se status online”. Seleção do botão “OK”.

Eu sempre penso, cá com os meus Camões, que beleza atrai, mas inteligência convence.


5 comentários:

  1. Impagável essa postagem, Frécas! Como são os tempos... até meu tempo de pós-adolescente, passei anos gastando folhas e folhas em tardes ensolaradas, tentando escrever poemas decentes pras gurias de quem eu gostava - quase nenhum entregue. Até que descubri que não era disso que elas gostavam, que um "qualé, mina!" tinha muito mas chances de dar certo. A facilidade da comunicação virtual a torna cada vez mais superficial, mas a superficialidade das relações na prática, no dia a dia, também tem seus efeitos nefastos na forma que uma pessoa se dirige à outra. Enquanto isso, o português padece - o "seu" Manoel da padaria, claro, porque a língua portuguesa está em coma faz tempo.
    Muito bom teu blog, parabéns! Inspirou-me para tirar das cinzas o meu (marcusdiesel.blogspot.com) qualquer dia desses. Beijo!

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  2. heheh isso me lembra o meu querido... aquele que todo mundo diz "ai, quem é esse gato??" "Ai, amiga... é o seu Creyson........"
    Obs: mas a parte do "tudo" eu discordo hehehe

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  3. Uai, mas a guria nas conversas relatadas errou um monte de vezes em acentuação, pontuação... Duns tempos pra cá diversas mulheres pegaram essa mania de se proclamar mais inteligentes que os homens a partir de erros que elas os viram cometer na web. Só que elas também escrevem mal pra caramba.

    Tem que ver isso direitinho...

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  4. Sim, ambiente virtual é para coloquialidade, ninguém deve escrever como Machado de Assis no MSN!! Existe a chamada adequação de linguagem, para todas as ocasiões de sociabilidade e comunicação.
    Mas há limites! Essa é a questão suscitada pelos diálogos texto: até que ponto a linguagem de Internet realmente prejudica a comunicação, de forma a tornar o vocabulário de um indivíduo incompreensível. Mas acho que o texto foi muito complexo pra transparecer este teor... tenho que ver isso direitinho...

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  5. A linguagem da net não prejudica a comunicação, Frécas. Inclusive ela a enriquece, com seus acrônimos ou smileys.

    Três coisas que prejudicam a comunicação são o erro de português ou qualquer outra língua; a Reforma Ortográfica e a infestação na mídia de populistas como Marcos Bagno.

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